O orçamento público na América Latina deve promover a participação de raparigas e mulheres adolescentes

ORÇAMENTOS PÚBLICOS NA AMÉRICA LATINA DEVEM PROMOVER A PARTICIPAÇÃO DE RAPARIGAS E MULHERES ADOLESCENTES.

O estudo da Save the Children analisa o orçamento público no Peru, Brasil e Guatemala, revelando que a falta de planeamento e de dados diferenciados por género afecta particularmente as raparigas.

Nova Iorque/Panamá, 10 de Outubro de 2019.
Apesar dos progressos que têm sido feitos nos últimos anos na melhoria do investimento em crianças, continuam a existir desafios significativos para assegurar que os processos de planeamento orçamental incluam uma perspectiva de género.

Isto é demonstrado pela investigação sobre investimento público em raparigas realizada pela Save the Children, em conjunto com as organizações Equidad – Centro de Políticas Públicas y Derechos Humanos (Peru), Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Cedeca Ceará (Brasil) e Coordinadora Institucional de Promoción por los Derechos de la Niñez – Ciprodeni (Guatemala).

A investigação, que analisou indicadores relacionados com a gravidez na adolescência, tráfico humano, violência baseada no género, acesso à educação e casamento infantil, foi lançada em Nova Iorque por ocasião do Dia Internacional da Menina Criança.

Keren de quinze anos – de Villa El Salvador, Peru – participou no evento de alto nível que trouxe a voz das crianças e adolescentes latino-americanos e explicou a sua experiência de participação na tomada de decisões orçamentais públicas no seu município. “A participação (nos orçamentos) deu-nos a oportunidade de desenvolver muito mais competências, tais como a participação activa dos cidadãos, formular e defender uma proposta concreta, cumprir os deveres de uma autoridade, exercer um governo estudantil com transparência, com uma visão de futuro, procurando o melhor para as crianças”.

“Se o orçamento fosse maior, mais escolas poderiam beneficiar, e mais crianças e adolescentes teriam poder para se tornarem agentes de mudança na sua comunidade e mesmo no seu país”, disse Keren, que foi painelista no evento em Nova Iorque.

“O investimento sensível ao género é vital para o progresso no sentido de sociedades mais desenvolvidas, justas e equitativas. É por isso que apelamos aos Estados da América Latina e Caraíbas para que planeiem os seus orçamentos tendo em conta as necessidades específicas das raparigas e adolescentes”, disse Ann Linnarsson, Directora do Programa de Apoio à Sociedade Civil no Escritório Regional da Save the Children para a América Latina e Caraíbas.

O investimento em raparigas leva a sociedades mais equitativas

O investimento público em crianças e adolescentes, expresso em percentagem do PIB, ascende a 1,33 % no Brasil,  4,00 % na Guatemala e 4,60 % no Peru. Ser uma rapariga em situação de pobreza e viver numa zona rural implica uma exposição múltipla à exclusão no que diz respeito ao gozo de direitos e acesso a serviços.

No caso dos países incluídos no estudo, verifica-se que a execução orçamental está centralizada, especialmente no caso da Guatemala, onde não existe um intervalo intermédio e o peso da descentralização é de apenas 4%.

No caso do Peru, apesar dos avanços na visibilidade do problema da gravidez adolescente, o investimento público não é suficiente para enfrentar a magnitude do problema. Em 2018 ascendeu a 1,49 % do “Plano de Despesa Pública com Crianças e Adolescentes” (Ministerio de la Mujer y Poblaciones Vulnerables -MIMP, 2018). No caso de prevenção e resposta ao tráfico de seres humanos é de 0,0003 %.

No Brasil, em 2018, foi investido quatro vezes mais na compra de armamento (5,1%) do que em crianças e adolescentes (1,33%), de acordo com o Instituto Internacional de Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI).

No caso de homicídio infantil no Brasil, a pedido da sociedade civil e das associações de crianças e adolescentes da cidade de Fortaleza, foi criado um programa de prevenção de homicídios de adolescentes, “Every Life Matters”, com um orçamento inicial de 2,2 milhões de reais, que no final não foi executado. A nível nacional, não existe um programa ou orçamento destinado à prevenção deste problema. Também não é identificada qualquer rubrica orçamental a nível nacional, regional ou local para acções destinadas à prevenção do casamento infantil, apesar de o país ter o quarto maior número de casamentos de crianças do mundo.

Acções para assegurar o investimento em raparigas e mulheres adolescentes

O estudo faz as seguintes recomendações aos Estados, a fim de assegurar um investimento justo e equitativo nas raparigas:

  1. Gerar dados desagregados por idade, sexo, género, identidade étnica, estatuto de pobreza, local de residência e outros indicadores de interesse, através de programas e projectos sociais públicos, que promovam a análise do género.

  2. Realizar um planeamento orçamental sensível ao género e à idade que reconheça os programas públicos e a sua importância no desenvolvimento sustentável, dando-lhes um peso relativo na despesa pública, o que, por sua vez, conduzirá a progressos no sentido de sociedades mais equitativas.

  3. Desagregar, por sexo e idade, dados orçamentais públicos abrangentes, desagregados e oportunos necessários para tomar decisões informadas sobre como atribuir e gastar os recursos públicos disponíveis.

  4. Promover a participação de raparigas e adolescentes nos processos orçamentais a nível nacional, regional e local.

  5. Assegurar que as autoridades locais e nacionais consultem a sociedade civil e integrem abordagens inovadoras ao investimento público sensível ao género em crianças e adolescentes.

Brasil: Sistema de Informação Orçamental (SIGA) e Ministério das Finanças e Crédito Público; Guatemala: Instituto Nacional de Estatística (INE), Sistema de Contabilidade Integral do Estado (Sicoin) e Banco da Guatemala; e Peru: Banco Central de Reserva do Peru (BCR), Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI) e Ministério da Economia e Finanças (MEF).